sábado, junho 22, 2019

«Pretérito imperfeito de cortesia», Djaimilia Pereira de Almeida

- lido na tarde de ontem, conforme PERI...
RECORTE:
    Este livro é escrito num pretérito imperfeito de cortesia. A cortesia é a virtude devida ao que não se pode dizer, como se apenas me restasse fazer cerimónia com o que e é familiar. Este é o fantasma formal que me persegue: o receio de que o melhor meio seja expor os meios. Como o espantalho da máscara de noventa e dois, expor os meios é uma forma de espantar  respostas. Então o que o espantalho afugenta é a realidade e as suas personagens, os recursos da biografia e a sua poética espinhosa. «Quem é a Mila?» «Eu mesma» não coincide bem comigo. O cabelo corta-se e renova-se prolongando a sucessão dos ciclos, mas tal não é senão uma via de extinção. Cada ciclo do cabelo é somente um ciclo do livro do cabelo. Serei eu («eu mesma?») que empresto à sua história importância, contando-a? Pergunto-me como escrever com distância se mexo na memória, mas a distância, apercebo-me então, é condição da memória, não uma moral. Todo o passado é um satélite conveniente.
[sublinhados acrescentados]
Djaimilia Pereira de Almeida, Esse cabelo, 2015, pp. 87, 88 (da 3.ª ed., de 2016)

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