[uma das últimas propostas de 1920, para quem já domina «todas as Letras»...]
«[...] (d) aquela escolinha particular, num quarto ou quinto andar da Rua
Morais Soares, onde, antes de termos ido viver para a Rua dos Cavaleiros, eu
comecei a aprender as primeiras letras. Sentado numa cadeirinha baixa,
desenhava-as lenta e aplicadamente na pedra, que era o nome que então se dava à
ardósia, palavra demasiado pretensiosa para sair com naturalidade da boca de
uma criança e que talvez nem sequer conhecesse ainda. É uma recordação própria,
pessoal, nítida como um quadro, a que não falta a sacola em que acomodava as
minhas coisas, de serapilheira castanha, com um barbante para levar a tiracolo.
Escrevia-se na ardósia com um lápis de lousa que se vendia em duas qualidades
nas papelarias, uma, a mais barata, dura como a pedra em que se escrevia, ao passo
que a outra, mais cara, era branda, macia, e chamávamos-lhe «de leite» por causa
da sua cor, um cinzento-claro tirando a leitoso, precisamente. Só depois de ter
entrado no ensino oficial, e não foi nos primeiros meses, é que os meus dedos
puderam, finalmente, tocar essa pequena maravilha das técnicas de escrita mais
actualizadas. [...]
José Saramago, As
pequenas memórias, 1.ª ed., Lisboa Caminho, 2006, pp. 63-64
[«remeteu-o» para excerto «análogo» - DAQUI]
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