No tempo Grande do Rugido, há Tempo para ler a Visão:
O meu trabalho é escrever até que
as pedras se tornem mais leves que a água. Não são romances o que faço, não
conto histórias, não pretendo entreter, nem ser divertido, nem ser
interessante, só quero que as pedras se tornem mais leves do que a água. Em
pequeno, à noite, no verão, de luz apagada, ouvia o mar na cama, a mesma
onda sempre, ainda hoje a mesma onda a trazer a praia e a levar a praia, e, ao
levar a praia, eu suspenso do nada sem tocar nos lençóis. (...)
(...) Senti-me feliz na
Transilvânia, nas montanhas. As pedras tinham menos peso já, por essa altura,
mas ainda necessitava de muito tempo porque as palavras demoram a impregnar as
coisas, entram devagarinho, a ideia da minha morte começa a parecer-se com a
minha morte. Às vezes o meu corpo gela, às vezes uma pedra levanta-se. Faltam
muitas ainda. Quando todas forem mais leves do que a água então sim, podem
ler-me, escrevi o que era preciso escrever(...)
António Lobo Antunes, «Até que as
pedras se tornem mais leves que a água», Visão, n.º 1223, 11-08-2016, pp.
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