[...] Já muito se disse e escreveu acerca do rosto da minha mãe, dos seus olhos, lábios, cabelo, da sua vulnerabilidade angustiante, de como as melhores actrizes canalizam todos os sentimentos para a área em redor da boca, mas nada disseram sobre as orelhas. Em pequena, gostava de me deitar bem juntinho a ela e de lhe passar a mão pelo cabelo. Era tão pequena que ainda não tinha palavras para a beleza nem para o amor; estava, como a maioria das crianças em tenra idade, centrada no que era grande e no que era pequeno, e a minha mãe tinha pés e orelhas grandes. Deitávamo-nos na sua cama de casal com pernas amarelas e lençóis floreados, e eu tinha permissão para lhe afagar o cabelo enquanto ela, por exemplo, lia um livro ou falava ao telefone. Terminava amiúde as chamadas com as palavras «homens, tão simples quanto isso». Dizia-o um pouco para o ar depois de pousar o auscultador. Homens, tão simples quanto isso. A minha avó também dizia homens, tão simples quanto isso. [...]
Linn Ullmann, Os inquietos, 2023, p. 96
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