sexta-feira, dezembro 29, 2017

Estudar

14 anos. Reprovada. A princípio, quase contente. Insuportável, o ambiente,  as matérias estúpidas. Agora já sei o que me espera. 15 a Matemática nada vale. Com oito negativas, a mãe P. vai castigar-me. Olarila. Que culpa tenho de ela não saber ler nem escrever? Só trabalhar, trabalhar. Horror.
5 meses passados. 14 horas diárias de fogão. Nem mesada, nem saídas, nada. Só sermões. Prisão perpétua. De certeza até aos 18 anos. Convencê-la a deixar-me ir estudar à noite não vai ser pêra doce.

18 anos. A miúda é agora responsável. Deixou de ser Maria Rapaz. Engordou. Silenciou. Tudo por causa da rigidez da comadre P. 15 a Matemática chega para provar as capacidades. Fará o 5.º ano em 2 anos, o 7.º num. Bem a quisemos adoptar. Teimosa, a mãe só nos aceitou como padrinhos.
Mas sei que ela me ouve mais do que ao próprio marido. Mais: só a mim ouve. Há que escolher a hora, começar com outro assunto, deixá-la falar o tempo que quiser… Estudar à noite? Vai ser duro convencê-la…

quarta-feira, dezembro 20, 2017

Fases negra luminosa

Passara um ano. Vinham os 20. Decorria o que depois se designaria como «Verão Quente» 
Chamar rotina a um bloqueio total não ajudava. Das 8 às 15 e 30, cumpria-se: subir a S Roque, descer a Glória, subir a Avenida; trabalhar, trabalhar e, depois, o percurso inverso. Daí até à noite, imobilização total no sofá, de olhos fechados, sempre o mesmo «filme mental». 
Rotina só quebrada para ir ver, de longe, à margem, uma ou outra manifestação, das muitas de então. Passavam os meses, não via saída…


Passaram os meses. Passou o «segundo 25». Pelo Verão, um encontro casual. 
Conversas pelas noites fora, por todos os momentos que se «arranjava». Mais do que descobrir-se, a disponibilidade (ingénua?) para tudo compreender e aceitar do «lado de lá». 
No Verão, sós, na casa de S. Paulo; um inolvidável 11 de Setembro na Caparica. Meses que parecem anos, de tão intensos. Sobreveio o «arrefecimento». Natural, agora. 
Irreversível, isso sim, a energia para recomeçar a estudar, reconstruir-se.

terça-feira, dezembro 19, 2017

Falta muito?

Faltam 14 dias! Faltam em quê, como? perguntam, em coro, no Quadrado. Na Praça Gorettiii…, em pio fino. Repito várias vezes, a ver se lhes atazano o juízo. A uns e a outros. 
Finalmente: para a próxima Pausa, Liberdade Temporária!
Mas como?, reperguntam, impercebidos. Repito, prolongo o logro. Lá lhes faço a vontade, finalmente. 14 dias de Quadrados, de castigos de sala. 
Ah, bom!
Variante: falta muito para o Natal? Logo desde Janeiro… 
Fica para a próxima…contagem.

segunda-feira, dezembro 18, 2017

Outrora Agora (Pessoa)

Casa da Calçada, 3.º andar, quintal. Fundo do corredor. Silencioso, imóvel, atento à revelação do mundo, junto à casinha do tanque. Cheiro acre do sabão azul e branco. Ruidoso, o da chuva violenta na terra vermelha do quintal. Só dele. 
Menino só, em casa com muitas mulheres – o amor antes das palavras, único. Assobiava o vento para lá dos muros. Refugiado, seguro, o menino hoje dispensa o colorido da rua de S. Paulo, hoje. «Outrora agora». Feliz.

domingo, dezembro 10, 2017

«Onde estavas, no 25?»

S. Paulo. Os que vinham de barco, da margem sul, falavam, com espanto, do que acontecia no Terreiro do Paço. Perguntava-lhes se era  revolta ou golpe direitista. A repetição foi obtendo resposta. Na última página dos jornais, nota vaga. 
Ainda foram servidos os almoços. Pela rádio se esclareceu a coisa. Fechei a porta, a mando do pai. Mas foram entrando e bebendo, incluindo um grupo de turistas italianos, cheios de frio. Aninharam-se a um canto, tarde afora.

sábado, dezembro 09, 2017

O dia dos prodígios (Lídia Jorge)

Alentejo, Agosto de 80. Seca. Ninito, temporariamente sem emprego, lê O dia dos prodígios. Mesmo na sombra da Arramada da burra, começam as alucinações, vê monstros, ouve rastejar…
Água, nem que seja uma gota. 
Na véspera do  regresso à cidade, noite estrelada. Cai uma gota no nariz do Ninito.  Estrelada, rodopia, rodopia, e desaparece na poça do firmamento. Ondula e brilha, pelo espaço sideral.
Viram a gota de água? 
Está doido, responderam, em coro, as patroas.

sexta-feira, dezembro 08, 2017

Escrever(-se)

Somam-se frases, desordenadamente. 
«Ó professor, já ninguém escreve blogues» («pequenino estupor»). 
«Queres escrever Um, «a meias»? («meias só para as pernas»). 
«Gosto de algumas coisas, de outras não» («nem te pergunto quais, ó Mentora»). 
«Ó tio, não é assim que se escreve na Blogo-Esfera» («vai mandar lá para a tua rua»).
«Escrever diário faz bem à saúde» («como nunca escrevi, estou doente?»). 
«Ó rapaziada, é uma estratégia para o «pré-Alzheimer»e foi por isso que me escrevo.

terça-feira, dezembro 05, 2017

«sozinho, com miúdo da mesma idade»

       10 anos. O liceu vem aí. Já esqueci as Gaivotas. Largo dos Stephens, escola só de tarde. Caldeira adormece e lá vou, manter o silêncio à canada. Vá lá, hoje pô-los a ler. Evitando adormecer, imagino… O banho de sábado, no alguidar, a mãe, o calçado em fila…
      Que cheiro vem do J.! Enfezado e manco, está cá atrás. Dorme sempre.  Faço-lhe os trabalhos. O velho resmunga, mas aceita-lhos.
                     [quero ir para mecânico, ó D.! ajudas-me e tens Artista para toda a vida, pá!]
      Pouco fala. Agride e arranha todos. Ao bacano, não. Rapaz, o mais velho, ajuda a mãe, na descarga do peixe.  De pai alcoolizado, moram na Madragoa, aonde o peixe podre gera os focos de infeção.
      Vai ser na sexta. A dona S. ajuda: banho em balde de lata, sabão macaco, escova de arame. Escamuda, aquela pele não vai sentir nem um arranhão…

[«sozinho, com miúdo da minha idade», com a Lisboa Marítima de então e uma pequena ajuda de Cesário]

sábado, dezembro 02, 2017

Bica

5 e 40
com as anteriores imagens apagadas,  restava:
- ao cimo da Bica, uma larga senhora (rosto da actual T. ChY ou o da Ref. T. A. de M.?) chamava por ele...;
- correu, fugindo, pela R. D. B. abaixo e foi abrir a Baiúca do Pai Velho....; deixou a porta aberta e foi esconder-se no início da Cal da B. Peq.; 
passava LIL (do actual 3.º Bloco), com outra colega, e perguntou-lhe se a senhora já tinha saído do ASC; já, sim senhor, e ia na direcção oposta...
UFF!

sexta-feira, dezembro 01, 2017

O sargento Almeida

[8 viciosas Terças...; 
terminadas, ficam os textos...;  na maioria «a raspar» os  propostos, que remetiam para universos duros de Qd.os ...]

10 anos. Lia. Muito e depressa. O dia todo. Falcão, Seis Balas, Emílio Salgari, Major Alvega, Mundo de Aventuras… Gordo, aéreo ou pasmado. A sonhar com a “a morte da bezerra”? Nesses tempos, a Criança tinha que já ser um pequeno homem. Todo o tempo os velhos lhe faziam judiarias.
É um preguiçoso! Um incapaz! Nunca irá para a universidade!**
No desvão, sonhava, entre o cheiro acre de cebolas, batatas, borras do fundo de vasilhame. Ouvia. Chorava.

[** palavras parecidas com as que o sarg. terá dito; como sempre, com a ajuda da MEMO da Mana A.:

O Sr. Almeida?
Pai do Zeca … bêbado a cair!
Com quem não se dava lá muito bem (aliás, nem bem nem mal!)
 Natural do Sabugal!?
 Para a patuscada com os outros “copofónicos” das tardes de outono e de inverno trazia míscaros que a mãe cozinhava com carne de porco!

(E nós também tínhamos direito!)]