quarta-feira, setembro 29, 2021

Clandestinas, as Meninas... - Mário de Carvalho

 No mais recente livro de M. de C., são apresentadas 96 curtas evocações autobiográficas (e de extensão semelhante), sem ordenação cronológica.

Recortes do texto n.º 39 («A minha escola primária»):

Nunca percebi porque é que a minha mãe não me deixou ir para a escola da Câmara. Quando passávamos pela Penha de França, via sempre aquele recanto esverdeado cheio de moçada alegre, jogos de eixo, bolas de trapo, algazarra e apetecia-me andar por lá.

Mas a minha mãe não apreciava. [...] De maneira que lá fui parar a uma escola particular, dita «externato», que era pontificada por três manas, todas professoras. [...] Carteiras duplas, quadro preto, secretária, meninos e meninas, e eu logo na segunda classe porque já trazia de casa o ler e o escrever. As meninas estavam ali clandestinamente. Era proibido. O ensino não era misto. Sempre que surgia uma hipótese de fiscalização, alguém estranho, um capitão da tropa que lá ia representar a Mocidade Portuguesa, elas eram arrumadas, pela porta do fundo, na divisão ao lado, por acaso o quarto de dormir duma das professoras. [...]

 Mário de Carvalho, De maneira que é claro…, Porto Editora, 2021 (setembro), pp. 86-87


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