terça-feira, outubro 03, 2023

«A medida das carências: uma imagem: [...] bombons cor-de-rosa»

[Outro Recorte da Leitura das semanas de 18 a 30 de SET.]

    «Contagiado pela esperança geral de 1945, ele decidiu abandonar o Vale. Eu adoecia com frequência, e o médico queria enviar-me para um sanatório. Eles venderam os seus bens para regressar a Y..., [...] O camião de mudanças, em cuja cabina nos instalámos, chegou a Y..., a meio da feira de outubro. A aldeia tinha sido incendiada pelos alemães e as barracas erguiam-se entre os escombros. [...] Ele conseguiu trabalho na Câmara, na terraplanagem das crateras das bombas. À noite, junto da barra dos antigos fogões [...] ela dizia; «Que condição.!» Ele nunca respondia. À tarde, ela levava-me a passear pela cidade. Somente o centro tinha sido destruído, e os armazéns haviam-se instalado em casas particulares. A medida das carências, uma imagem: um dia, já escuro, na montra de uma pequena janela, a única iluminada na rua, brilham bombons cor-de-rosa, ovais, polvilhados de branco, em pequenas saquetas de celofane. Não eram para qualquer pessoa, eram necessários cupões.
  
 Annie Ernaux,  Um lugar ao sol seguido de Uma mulher, 2022, p. 37

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