segunda-feira, agosto 15, 2016

A (Insustentável) Leveza das Pedras - Lobo Antunes

No tempo Grande do Rugido, há Tempo para ler a Visão:

O meu trabalho é escrever até que as pedras se tornem mais leves que a água. Não são romances o que faço, não conto histórias, não pretendo entreter, nem ser divertido, nem ser interessante,  só quero que as pedras se tornem mais leves do que a água. Em pequeno, à noite, no verão, de luz apagada, ouvia o mar na cama,  a mesma onda sempre, ainda hoje a mesma onda a trazer a praia e a levar a praia, e, ao levar a praia, eu suspenso do nada sem tocar nos lençóis. (...)
(...) Senti-me feliz na Transilvânia, nas montanhas. As pedras tinham menos peso já, por essa altura, mas ainda necessitava de muito tempo porque as palavras demoram a impregnar as coisas, entram devagarinho, a ideia da minha morte começa a parecer-se com a minha morte. Às vezes o meu corpo gela, às vezes uma pedra levanta-se. Faltam muitas ainda. Quando todas forem mais leves do que a água então sim, podem ler-me, escrevi o que era preciso escrever(...)

António Lobo Antunes, «Até que as pedras se tornem mais leves que a água»,  Visão, n.º 1223, 11-08-2016, pp. 6-7

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